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domingo, 18 de maio de 2014

A jornada de um aprendiz vencedor e porque o Aprendiz não é sobre empreendedorismo

Púlpito Coelhocratas
Por Lucas Lattari

Talvez você pense que O Aprendiz seja apenas uma entrevista de emprego diferente ou um programa de negócios. Mais do que isso, ele é um reality show e portanto, conta a história de pessoas. Heróis, vilões, mentores, provações… Dito isso, eu gostaria de mencionar um livro que acho bem interessante pra explicar por que certas temporadas desse programa são tão envolventes: A Jornada do Escritor, de Christopher Vogler.



O referido livro tornou-se uma das obras mais importantes já feitas sobre estrutura literária, sendo inclusive referenciado por um bom tempo como “manual para a escrita de histórias hollywoodianas”.
Afinal de contas, o que isso tem a ver com o Aprendiz? Usarei os ensinamentos desse livro para mostrar porque certas temporadas desse programa não diferem de histórias famosas, como as apresentadas nos filmes Star Wars, Senhor dos Anéis, Matrix, Harry Potter etc. Para isso, considerem algumas passagens de “O Aprendiz - O Retorno”.

Vogler já dizia que toda história tem um herói e que a narrativa gira em torno de suas peripécias. Além disso, todo herói passa por vários estágios até o término de sua jornada. Na temporada passada, 16 ex-aprendizes disputavam novamente um lugar junto às empresas de Roberto Justus. Isso, por si só, já tornaria qualquer um dos participantes como um potencial herói com uma história única, pois estes buscam a redenção após falharem anteriormente. No entanto, apenas um dos participantes tinha potencial para apresentar a melhor história, que é Renata Tolentino.



Continuando os ensinamentos do livro, Vogler menciona que cada herói passa por uma série de etapas até que concretize sua história. Estas são apresentadas abaixo. Tenha em mente, contudo, que essas etapas servem apenas como referência, nem sempre seguidas totalmente.


Ainda que o programa não tenha enfatizado tanto isso, toda história começa com a saída do herói de seu mundo comum rumo ao chamado à aventura. Em outras palavras, os aprendizes são removidos de seu cotidiano comum, indo para um mundo desconhecido, que para muitos é São Paulo, o Sheraton, as salas de reunião, as tarefas etc. Isso por si só já cria uma tensão inicial para começar a aventura, uma vez que essa mudança de universo ocasionará conflitos.

Para Renata, houve uma etapa de recusa do chamado à aventura. Nesse estágio, o herói sente receio se deve sair de seu mundo comum para iniciar a jornada. Para explicar isso, voltemos ao Aprendiz Empreendedor. Sem entrar em muitos detalhes, podemos considerar que naquela temporada, a Renata era a vilã do programa, assim como Janaina se tornou a heroína. Esquecendo momentaneamente a performance das duas, Janaína sempre foi uma lutadora, vinda do norte do Brasil, com dificuldades em sua vida, venceu nos Estados Unidos e agora buscava um bem comum para sua vida e sua família: se tornar a empreendedora escolhida por João Dória Junior. Renata, no entanto, tinha pouco de suas motivações mostradas. Além disso, foi cúmplice de um dos momentos mais pitorescos da história do programa: fez diversas ligações telefônicas se passando por outras pessoas a pedido dos participantes Fernando Gonçalves e Rogério. Isso por si só já a tornou “menos merecedora” da vitória no programa, pois utilizou-se de “jogadas” para “roubar” o título de vencedora que seria por direito de Janaína.


Quero enfatizar que tanto faz a verdade ou a mentira nesse caso. O que é importante lembrar é que essa é a história contada pelo programa, que cria heróis e vilões de acordo com a sua necessidade.
Voltando a recusa ao início da aventura, é fato que Renata se frustrou imensamente por ter perdido a final do último Aprendiz para Janaína. Em entrevista a este mesmo blog, Renata diz que sua mãe foi contra a sua volta para o programa:

“Quando recebi a ligação para voltar, ela foi a primeira pessoa que contei, e a única frase que ela disse foi: ‘Filhinha, pelo amor de Deus, não vá’. Isto me deu um aperto muito grande no coração, mas ao mesmo tempo uma força enorme de entrar para vencer.”

Renata deixa claro a importância desse trecho para iniciar sua jornada rumo a vitória no Aprendiz 9: mudar sua triste história que emocionalmente abalou sua mãe, que teria inclusive sofrido de síndrome de pânico por conta disso. Renata ganhou a motivação necessária para começar a sua jornada, ao mesmo tempo assumindo seu papel de heroína, se sacrificando em prol de outras pessoas.

A partir do momento que a aventura se inicia, o herói tem contato com o mentor, que são Roberto Justus e seus conselheiros. Estes são as figuras experientes que motivam e trazem os dons necessários para que nossa heroína cumpra seu destino. Convém notar que esses mesmos mentores assumem papéis variados de acordo com o momento, sejam como aliados ou vilões. Entretanto, nas salas de reuniões, Justus, Renato Santos e Walter Longo possuem como papel apontar os erros e, consequentemente, capacitar o herói. Logo, o papel deles não difere muito de personagens como Gandalf em Senhor dos Anéis ou Morpheus em Matrix.

Ao atravessar o primeiro limiar, são iniciados os testes e a descoberta dos aliados e inimigos de sua aventura. Isso faz com que o herói comece de fato a assumir seu protagonismo na história. É nesse momento que Melina começa a assumir o seu papel de grande antagonista. Citemos a polêmica tarefa dos vestidos de noiva.


Nessa tarefa, Melina é a líder de uma equipe cujo resultado foi trágico para as mulheres. Dentre as indicações, Renata e Daniely são enviadas para a segunda parte da sala de reunião. Dany alega que isso ocorreu pois Melina tinha como objetivo enviar aprendizes de edições que o Justus não apresentou, pois haveria a possibilidade deste demitir participantes que menos conhecia. Vogler já dizia que o papel do vilão é destruir o herói e suas motivações nobres. Ainda que “desmascarada”, em parte Melina foi vitoriosa aí, pois Dany acabou saindo. Dany assume então um papel de importância para a própria Renata, pois além de trazer mais motivação para que Renata enfrente essa “jogada ardilosa”, acaba também dando uma imunidade temporária aos aprendizes ex-Dória. Algo que tanto ela quanto Rodrigo Solano agradeceriam mais tarde.

Continuemos com a etapa de testes, aliados e inimigos em evidência. Na sala de reuniões do episódio 6, após o fracasso no lançamento de um evento para divulgar a cerveja itaipava light, diversos aprendizes questionam a capacidade de atuação em equipe de Renata. Em especial Karine, que simultaneamente assume o papel de inimiga e mentora. Karine critica Renata e outros aprendizes, os definindo como “juniores”, em especial Renata, que se intrometia demais e além disso não teria cultura suficiente para o cargo. É comum que os heróis não estejam prontos para vencer ao início da sua jornada, sendo esta aventura fundamental para seu aprimoramento. Isso ocorre com Renata, ao afirmar que refletiria sobre os feedbacks recebidos. De fato, ela os utiliza para seu aprimoramento, algo que foi marcante pelas afirmações de Justus e Renato Santos na grande final. Karine além disso assume um arquétipo conhecido como “camaleão”, pois inicia como uma forte adversária de Renata (lembram-se do episódio “burra com iniciativa”?) mas ao término dessa história vira uma aliada.


Até esse momento da história, fica difícil prever quem é o grande vilão, se é Melina ou Júnior. Fato é que os dois são, inicialmente, os grandes antagonistas da jornada de Renata. Júnior assume um papel de vilão ao indicar Renata para a segunda parte da sala da tarefa do Kit Kat, quando esta não merecia. Justus chega ao ponto de salvá-la, também mostrando sua benevolência. Em uma grande história nenhum dos atores são extremamente bonzinhos ou malvados, existem “mil faces” de acordo com o contexto, desde que com coerência obviamente. Isto torna a história extremamente rica e passível de identificação com o público, já que os personagens hesitam ou assumem facetas boas e ruins a todo o tempo, como nós.

Um dos momentos mais difíceis da jornada da Renata é justamente quando ela enfrenta Júnior e Melina na sala. Nas palavras dela mesma:

“Esta sala me deu realmente um grande frio na barriga, nunca passei por uma sala que não me sentisse ameaçada, afinal, se você perde a tarefa já está ameaçado. Mas via em mim uma capacidade de entrega de resultados muito grande e que chamava atenção de alguma forma dos conselheiros e Roberto.”

Renata aproxima-se cada vez mais de sua grande provação. Parecia óbvio que a dupla dinâmica de vilões seria o maior desafio que ela teria desde que entrou no programa e que ambos tentariam “jogá-la para debaixo do ônibus”. Antes disso, entretanto, a primeira estocada vem de Walter Longo, que indica Renata para a demissão. Este é possivelmente o auge da crise em toda a sua jornada e possivelmente a situação que nossa protagonista “morreria”. Entretanto, se Walter fazia o papel de “diabinho conselheiro” dos ombros de Justus, Renato Santos fazia o papel de anjo e optava por salvar Renata.

Se você já ouviu falar do termo “plot twist”, já deve ter percebido então que é comum em uma grande história você dar a entender ao público que o herói irá perder, mas que alguma surpresa inimaginável irá salvá-lo no último minuto, deixando o público emocionado e sem respirar. Em minha análise, acredito que isso não ocorreu na grande final, mas nessa sala. Posso até estar enganado, mas você deve ter sentido nesse momento (se não leu os spoilers) que Renata sairia nesse momento, pois a dupla maligna mostrava um grande entrosamento. Só que Melina surpreende todo o público ao indicar que o perfil de Renata é mais apropriado para Justus do que o de Júnior. Nem Justus ou mesmo Júnior acreditam nessa escolha. Nesse estágio da história o herói enfrenta uma grande provação e é salvo milagrosamente de sua morte. Melina teve um papel fundamental para essa salvação e mostrou-se uma vilã com personalidades de “camaleão”, agindo em alguns momentos como aliada de Renata.

Melina provou ser uma vilã muito mais interessante e a altura da heroína Renata do que o Júnior. Não é a toa que, para muitos, este tenha sido um dos momentos mais marcantes da temporada (óbvio que após a contratação da própria Renata). Até mesmo Walter Longo modifica seu voto após os acontecimentos dessa sala e, pobre Júnior, escutou tanto que era um estrategista mas foi morto estrategicamente por Melina. Não dá pra saber, mas me pareceu que a Melina temia enfrentar um adversário com um perfil parecido com o dela e para os efeitos dessa história, não fazia sentido que os dois participantes da final sejam parecidos. Principalmente os participantes que menos tinha apelo junto ao público. Logo, ela matou Júnior antes que este a matasse.


Um momento ímpar da jornada da Renata é a sala contra Solano. A história da Renata assumiu proporções complexas ao enfrentá-lo num embate, pois Solano era o vilão para Renata naquele instante mas ao mesmo tempo era o herói de seu próprio conto. Quem vencesse seria o protagonista e herói da história. Ao citar o teste do Aprendiz 6, em que Justus pede para que os participantes argumentem porque o concorrente deveria ser contratado, Solano surpreende ao dizer que contrataria a Renata mesmo sabendo a resposta certa: dizer que não vende aquilo que não compra. Naquele momento, qualquer que fosse o juiz a decidir quem deveria ir pra final, no mínimo hesitaria: Renata ou Solano? A grande demonstração de honestidade, coragem e personalidade de Solano naquele momento colocaria Renata em sérios apuros. Por ser uma sala atípica e ser um adversário que seria difícil de “bater” com palavras, Renata ligou seu instinto de sobrevivência e usou uma tática parecida com a de Porcel, do Aprendiz 2: “Ao invés de criticar meus adversários, prefiro enaltecer a mim mesmo”. Sua argumentação acabou sendo suficiente para que Renata vencesse. Renata já levava uma vantagem natural contra Solano e graças as suas palavras, conseguiu manter esse favoritismo.


Finalmente, começa a provação final para Renata, que é o embate na última sala contra Melina. Nesse momento, essa final assume completamente um lado Bom x Mau. Não vou me estender muito sobre, já que a Demetida fez um excelente texto apenas abordando isso: http://aprendizcoelhocratas.blogspot.com.br/2013/12/porque-mel-sera-escolhida-voce-nao.html. Ainda que ela tenha se enganado na escolha de Justus, sua análise foi excelente. Quem não gosta de ver um “vilão” vencendo, de vez em quando? Isso cria um apelo emocional muito mais forte para que o programa seja discutido e não esquecido. Critique ou elogie, mas fale de mim. Só que nesse momento, com o programa precisando reconquistar seu espaço, principalmente após o fracasso no ibope, não era um momento adequado para que seus fãs fossem contrariados, já que a maioria preferia Renata. Aliás, só eu achei que até no vestuário das duas, o princípio da heterodoxia x ortodoxia ou mesmo do bom x mau estava evidente? Azul é a cor da pureza, tranquilidade, serenidade, harmonia etc. Já o vermelho está associado a paixão, energia e também ao poder, guerra, violência. Este é um detalhe que ocorre mesmo em filmes. Afinal, qual era a cor do sabre de Darth Vader e Luke Skywalker mesmo?

  













Novamente enfatizo: não estou dizendo que a Melina seja má ou vilã no tom da palavra. Contudo, para a história que foi contada pela edição do programa, ela se tornou a grande vilã assim como Renata se tornou a heroína. Uma pessoa comum, trabalhadora, com defeitos ou mesmo “atrapalhada” como cada um de nós foi também a pessoa em que todos nós criamos maior identificação. Ver a Renata vencer era como ver cada um de nós sendo contratado por Justus naquele momento. Já somos “demitidos” tantas vezes em nossa vida, qual o sentido de perder novamente? Sabiamente Renata foi escolhida por Justus, dando o final feliz que todo o público esperava. Aquele era o momento certo para isso.


O vencedor deveria ser quem mais amadureceu ao longo do processo. Nenhum herói nasce pronto, mas a jornada o torna pronto. Isso tem tudo a ver com a escolha de Renato Santos por Renata Tolentino, ao dizer que “a vencedora do Aprendiz deveria ser quem mais aprendeu”. Aliás, já notaram como os conselheiros costumam fazer escolhas antagônicas por participantes justo nos momentos mais emocionantes? Toda história precisa de um suspense…

Concluindo, não se iludam ao pensar que essa decisão sobre o vencedor do programa se baseou em empreendedorismo. Óbvio que não dá para jogar fora tudo o que foi feito ao longo do programa, mas qualquer um dos 16 aprendizes teria iguais condições de fazer um grande trabalho em uma das empresas de Justus. Apenas optou-se pelo melhor enredo a ser contado. Histórias, vilões, bonzinhos, tudo isso faz parte de um reality show que tenha apelo ao público. Isso é fundamental para a sobrevivência do formato. O Aprendiz é mais do que uma entrevista de emprego, mas uma história idêntica às contadas em filmes, livros ou novelas. Não se esqueça, você sempre ficou ansioso esperando o término da novela do homem sem camisa apenas para assistir outra novela…



P.s: Talvez ao término desse texto, você se pergunte qual a estrutura narrativa do Aprendiz Celebridades. Eu até pensei a respeito, mas acho que ainda está cedo pra afirmar. Tanto Nahim quanto Priscila, por exemplo, poderiam assumir papel de vilão. Da mesma forma, Ana Moser era uma boa candidata a heroína. Michele está em cima do muro junto com Mônica Carvalho. Provavelmente isso ficará evidente próximo do fim da temporada, assim como ocorreu com Renata Tolentino. De qualquer forma, o arquétipo de Pícaro já está com Beth Szafir. Ou alguém tem dúvida de que existe alívio cômico melhor do que ela?

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