Púlpito Coelhocratas
Por Lucas Lattari
Talvez
você pense que O Aprendiz seja apenas uma entrevista de emprego
diferente ou um programa de negócios. Mais do que isso, ele é um reality
show e portanto, conta a história de pessoas. Heróis, vilões, mentores,
provações… Dito isso, eu gostaria de mencionar um livro que acho bem
interessante pra explicar por que certas temporadas desse programa são
tão envolventes: A Jornada do Escritor, de Christopher Vogler.
O
referido livro tornou-se uma das obras mais importantes já feitas sobre
estrutura literária, sendo inclusive referenciado por um bom tempo como
“manual para a escrita de histórias hollywoodianas”.
Afinal
de contas, o que isso tem a ver com o Aprendiz? Usarei os ensinamentos
desse livro para mostrar porque certas temporadas desse programa não
diferem de histórias famosas, como as apresentadas nos filmes Star Wars,
Senhor dos Anéis, Matrix, Harry Potter etc. Para isso, considerem
algumas passagens de “O Aprendiz - O Retorno”.
Vogler
já dizia que toda história tem um herói e que a narrativa gira em torno
de suas peripécias. Além disso, todo herói passa por vários estágios
até o término de sua jornada. Na temporada passada, 16 ex-aprendizes
disputavam novamente um lugar junto às empresas de Roberto Justus. Isso,
por si só, já tornaria qualquer um dos participantes como um potencial
herói com uma história única, pois estes buscam a redenção após falharem
anteriormente. No entanto, apenas um dos participantes tinha potencial
para apresentar a melhor história, que é Renata Tolentino.
Continuando
os ensinamentos do livro, Vogler menciona que cada herói passa por uma
série de etapas até que concretize sua história. Estas são apresentadas
abaixo. Tenha em mente, contudo, que essas etapas servem apenas como
referência, nem sempre seguidas totalmente.
Ainda
que o programa não tenha enfatizado tanto isso, toda história começa
com a saída do herói de seu mundo comum rumo ao chamado à aventura. Em
outras palavras, os aprendizes são removidos de seu cotidiano comum,
indo para um mundo desconhecido, que para muitos é São Paulo, o
Sheraton, as salas de reunião, as tarefas etc. Isso por si só já cria
uma tensão inicial para começar a aventura, uma vez que essa mudança de
universo ocasionará conflitos.
Para
Renata, houve uma etapa de recusa do chamado à aventura. Nesse estágio,
o herói sente receio se deve sair de seu mundo comum para iniciar a
jornada. Para explicar isso, voltemos ao Aprendiz Empreendedor. Sem
entrar em muitos detalhes, podemos considerar que naquela temporada, a
Renata era a vilã do programa, assim como Janaina se tornou a heroína.
Esquecendo momentaneamente a performance das duas, Janaína sempre foi
uma lutadora, vinda do norte do Brasil, com dificuldades em sua vida,
venceu nos Estados Unidos e agora buscava um bem comum para sua vida e
sua família: se tornar a empreendedora escolhida por João Dória Junior.
Renata, no entanto, tinha pouco de suas motivações mostradas. Além
disso, foi cúmplice de um dos momentos mais pitorescos da história do
programa: fez diversas ligações telefônicas se passando por outras
pessoas a pedido dos participantes Fernando Gonçalves e Rogério. Isso
por si só já a tornou “menos merecedora” da vitória no programa, pois
utilizou-se de “jogadas” para “roubar” o título de vencedora que seria
por direito de Janaína.
Quero
enfatizar que tanto faz a verdade ou a mentira nesse caso. O que é
importante lembrar é que essa é a história contada pelo programa, que
cria heróis e vilões de acordo com a sua necessidade.
Voltando
a recusa ao início da aventura, é fato que Renata se frustrou
imensamente por ter perdido a final do último Aprendiz para Janaína. Em
entrevista a este mesmo blog, Renata diz que sua mãe foi contra a sua
volta para o programa:
“Quando
recebi a ligação para voltar, ela foi a primeira pessoa que contei, e a
única frase que ela disse foi: ‘Filhinha, pelo amor de Deus, não vá’.
Isto me deu um aperto muito grande no coração, mas ao mesmo tempo uma
força enorme de entrar para vencer.”
Renata
deixa claro a importância desse trecho para iniciar sua jornada rumo a
vitória no Aprendiz 9: mudar sua triste história que emocionalmente
abalou sua mãe, que teria inclusive sofrido de síndrome de pânico por
conta disso. Renata ganhou a motivação necessária para começar a sua
jornada, ao mesmo tempo assumindo seu papel de heroína, se sacrificando
em prol de outras pessoas.
A
partir do momento que a aventura se inicia, o herói tem contato com o
mentor, que são Roberto Justus e seus conselheiros. Estes são as figuras
experientes que motivam e trazem os dons necessários para que nossa
heroína cumpra seu destino. Convém notar que esses mesmos mentores
assumem papéis variados de acordo com o momento, sejam como aliados ou
vilões. Entretanto, nas salas de reuniões, Justus, Renato Santos e
Walter Longo possuem como papel apontar os erros e, consequentemente,
capacitar o herói. Logo, o papel deles não difere muito de personagens
como Gandalf em Senhor dos Anéis ou Morpheus em Matrix.
Ao
atravessar o primeiro limiar, são iniciados os testes e a descoberta
dos aliados e inimigos de sua aventura. Isso faz com que o herói comece
de fato a assumir seu protagonismo na história. É nesse momento que
Melina começa a assumir o seu papel de grande antagonista. Citemos a
polêmica tarefa dos vestidos de noiva.
Nessa
tarefa, Melina é a líder de uma equipe cujo resultado foi trágico para
as mulheres. Dentre as indicações, Renata e Daniely são enviadas para a
segunda parte da sala de reunião. Dany alega que isso ocorreu pois
Melina tinha como objetivo enviar aprendizes de edições que o Justus não
apresentou, pois haveria a possibilidade deste demitir participantes
que menos conhecia. Vogler já dizia que o papel do vilão é destruir o
herói e suas motivações nobres. Ainda que “desmascarada”, em parte
Melina foi vitoriosa aí, pois Dany acabou saindo. Dany assume então um
papel de importância para a própria Renata, pois além de trazer mais
motivação para que Renata enfrente essa “jogada ardilosa”, acaba também
dando uma imunidade temporária aos aprendizes ex-Dória. Algo que tanto
ela quanto Rodrigo Solano agradeceriam mais tarde.
Continuemos
com a etapa de testes, aliados e inimigos em evidência. Na sala de
reuniões do episódio 6, após o fracasso no lançamento de um evento para
divulgar a cerveja itaipava light, diversos aprendizes questionam a
capacidade de atuação em equipe de Renata. Em especial Karine, que
simultaneamente assume o papel de inimiga e mentora. Karine critica
Renata e outros aprendizes, os definindo como “juniores”, em especial
Renata, que se intrometia demais e além disso não teria cultura
suficiente para o cargo. É comum que os heróis não estejam prontos para
vencer ao início da sua jornada, sendo esta aventura fundamental para
seu aprimoramento. Isso ocorre com Renata, ao afirmar que refletiria
sobre os feedbacks recebidos. De fato, ela os utiliza para seu
aprimoramento, algo que foi marcante pelas afirmações de Justus e Renato
Santos na grande final. Karine além disso assume um arquétipo conhecido
como “camaleão”, pois inicia como uma forte adversária de Renata
(lembram-se do episódio “burra com iniciativa”?) mas ao término dessa
história vira uma aliada.
Até
esse momento da história, fica difícil prever quem é o grande vilão, se
é Melina ou Júnior. Fato é que os dois são, inicialmente, os grandes
antagonistas da jornada de Renata. Júnior assume um papel de vilão ao
indicar Renata para a segunda parte da sala da tarefa do Kit Kat, quando
esta não merecia. Justus chega ao ponto de salvá-la, também mostrando
sua benevolência. Em uma grande história nenhum dos atores são
extremamente bonzinhos ou malvados, existem “mil faces” de acordo com o
contexto, desde que com coerência obviamente. Isto torna a história
extremamente rica e passível de identificação com o público, já que os
personagens hesitam ou assumem facetas boas e ruins a todo o tempo, como
nós.
Um
dos momentos mais difíceis da jornada da Renata é justamente quando ela
enfrenta Júnior e Melina na sala. Nas palavras dela mesma:
“Esta
sala me deu realmente um grande frio na barriga, nunca passei por uma
sala que não me sentisse ameaçada, afinal, se você perde a tarefa já
está ameaçado. Mas via em mim uma capacidade de entrega de resultados
muito grande e que chamava atenção de alguma forma dos conselheiros e
Roberto.”
Renata
aproxima-se cada vez mais de sua grande provação. Parecia óbvio que a
dupla dinâmica de vilões seria o maior desafio que ela teria desde que
entrou no programa e que ambos tentariam “jogá-la para debaixo do
ônibus”. Antes disso, entretanto, a primeira estocada vem de Walter
Longo, que indica Renata para a demissão. Este é possivelmente o auge da
crise em toda a sua jornada e possivelmente a situação que nossa
protagonista “morreria”. Entretanto, se Walter fazia o papel de
“diabinho conselheiro” dos ombros de Justus, Renato Santos fazia o papel
de anjo e optava por salvar Renata.
Se
você já ouviu falar do termo “plot twist”, já deve ter percebido então
que é comum em uma grande história você dar a entender ao público que o
herói irá perder, mas que alguma surpresa inimaginável irá salvá-lo no
último minuto, deixando o público emocionado e sem respirar. Em minha
análise, acredito que isso não ocorreu na grande final, mas nessa sala.
Posso até estar enganado, mas você deve ter sentido nesse momento (se
não leu os spoilers) que Renata sairia nesse momento, pois a dupla
maligna mostrava um grande entrosamento. Só que Melina surpreende todo o
público ao indicar que o perfil de Renata é mais apropriado para Justus
do que o de Júnior. Nem Justus ou mesmo Júnior acreditam nessa escolha.
Nesse estágio da história o herói enfrenta uma grande provação e é
salvo milagrosamente de sua morte. Melina teve um papel fundamental para
essa salvação e mostrou-se uma vilã com personalidades de “camaleão”,
agindo em alguns momentos como aliada de Renata.
Melina
provou ser uma vilã muito mais interessante e a altura da heroína
Renata do que o Júnior. Não é a toa que, para muitos, este tenha sido um
dos momentos mais marcantes da temporada (óbvio que após a contratação
da própria Renata). Até mesmo Walter Longo modifica seu voto após os
acontecimentos dessa sala e, pobre Júnior, escutou tanto que era um
estrategista mas foi morto estrategicamente por Melina. Não dá pra
saber, mas me pareceu que a Melina temia enfrentar um adversário com um
perfil parecido com o dela e para os efeitos dessa história, não fazia
sentido que os dois participantes da final sejam parecidos.
Principalmente os participantes que menos tinha apelo junto ao público.
Logo, ela matou Júnior antes que este a matasse.
Um
momento ímpar da jornada da Renata é a sala contra Solano. A história
da Renata assumiu proporções complexas ao enfrentá-lo num embate, pois
Solano era o vilão para Renata naquele instante mas ao mesmo tempo era o
herói de seu próprio conto. Quem vencesse seria o protagonista e herói
da história. Ao citar o teste do Aprendiz 6, em que Justus pede para que
os participantes argumentem porque o concorrente deveria ser
contratado, Solano surpreende ao dizer que contrataria a Renata mesmo
sabendo a resposta certa: dizer que não vende aquilo que não compra.
Naquele momento, qualquer que fosse o juiz a decidir quem deveria ir pra
final, no mínimo hesitaria: Renata ou Solano? A grande demonstração de
honestidade, coragem e personalidade de Solano naquele momento colocaria
Renata em sérios apuros. Por ser uma sala atípica e ser um adversário
que seria difícil de “bater” com palavras, Renata ligou seu instinto de
sobrevivência e usou uma tática parecida com a de Porcel, do Aprendiz 2:
“Ao invés de criticar meus adversários, prefiro enaltecer a mim mesmo”.
Sua argumentação acabou sendo suficiente para que Renata vencesse.
Renata já levava uma vantagem natural contra Solano e graças as suas
palavras, conseguiu manter esse favoritismo.
Finalmente,
começa a provação final para Renata, que é o embate na última sala
contra Melina. Nesse momento, essa final assume completamente um lado
Bom x Mau. Não vou me estender muito sobre, já que a Demetida fez um
excelente texto apenas abordando isso: http://aprendizcoelhocratas.blogspot.com.br/2013/12/porque-mel-sera-escolhida-voce-nao.html.
Ainda que ela tenha se enganado na escolha de Justus, sua análise foi
excelente. Quem não gosta de ver um “vilão” vencendo, de vez em quando?
Isso cria um apelo emocional muito mais forte para que o programa seja
discutido e não esquecido. Critique ou elogie, mas fale de mim. Só que
nesse momento, com o programa precisando reconquistar seu espaço,
principalmente após o fracasso no ibope, não era um momento adequado
para que seus fãs fossem contrariados, já que a maioria preferia Renata.
Aliás, só eu achei que até no vestuário das duas, o princípio da
heterodoxia x ortodoxia ou mesmo do bom x mau estava evidente? Azul é a
cor da pureza, tranquilidade, serenidade, harmonia etc. Já o vermelho
está associado a paixão, energia e também ao poder, guerra, violência.
Este é um detalhe que ocorre mesmo em filmes. Afinal, qual era a cor do
sabre de Darth Vader e Luke Skywalker mesmo?
Novamente enfatizo: não estou dizendo que a Melina seja má ou vilã no tom da palavra. Contudo, para a história que foi contada pela edição do programa, ela se tornou a grande vilã assim como Renata se tornou a heroína. Uma pessoa comum, trabalhadora, com defeitos ou mesmo “atrapalhada” como cada um de nós foi também a pessoa em que todos nós criamos maior identificação. Ver a Renata vencer era como ver cada um de nós sendo contratado por Justus naquele momento. Já somos “demitidos” tantas vezes em nossa vida, qual o sentido de perder novamente? Sabiamente Renata foi escolhida por Justus, dando o final feliz que todo o público esperava. Aquele era o momento certo para isso.
O vencedor deveria ser quem mais amadureceu ao longo do processo. Nenhum herói nasce pronto, mas a jornada o torna pronto. Isso tem tudo a ver com a escolha de Renato Santos por Renata Tolentino, ao dizer que “a vencedora do Aprendiz deveria ser quem mais aprendeu”. Aliás, já notaram como os conselheiros costumam fazer escolhas antagônicas por participantes justo nos momentos mais emocionantes? Toda história precisa de um suspense…
Concluindo,
não se iludam ao pensar que essa decisão sobre o vencedor do programa
se baseou em empreendedorismo. Óbvio que não dá para jogar fora tudo o
que foi feito ao longo do programa, mas qualquer um dos 16 aprendizes
teria iguais condições de fazer um grande trabalho em uma das empresas
de Justus. Apenas optou-se pelo melhor enredo a ser contado. Histórias,
vilões, bonzinhos, tudo isso faz parte de um reality show que tenha
apelo ao público. Isso é fundamental para a sobrevivência do formato. O
Aprendiz é mais do que uma entrevista de emprego, mas uma história
idêntica às contadas em filmes, livros ou novelas. Não se esqueça, você
sempre ficou ansioso esperando o término da novela do homem sem camisa
apenas para assistir outra novela…
P.s:
Talvez ao término desse texto, você se pergunte qual a estrutura
narrativa do Aprendiz Celebridades. Eu até pensei a respeito, mas acho
que ainda está cedo pra afirmar. Tanto Nahim quanto Priscila, por
exemplo, poderiam assumir papel de vilão. Da mesma forma, Ana Moser era
uma boa candidata a heroína. Michele está em cima do muro junto com
Mônica Carvalho. Provavelmente isso ficará evidente próximo do fim da
temporada, assim como ocorreu com Renata Tolentino. De qualquer forma, o
arquétipo de Pícaro já está com Beth Szafir. Ou alguém tem dúvida de
que existe alívio cômico melhor do que ela?
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